Júlia é o Seu Nome
A Júlia, olhos repensando a vida e como fugir ao monstro de nome "Alzheimer". 87 anos de alegrias e tristezas
Ela transporta o seu nome há 87 anos e uns meses. Mas tudo acaba! Os nomes, as pessoas, … tudo. E por tudo acabar a Júlia tem agora uma casa nova por tempo indeterminado.
As doenças e os anos tolhem-nos as nossas caminhadas. Chega uma altura que já não olhamos para a frente. Por muito resistentes que sejamos temos de passar a olhar para trás. A Júlia, atacada pela famigerada doença Alzheimer, recorda muito do antigo e pouco do mais moderno. Infelizmente, nessa outra casa, a Júlia não nos vê tantas vezes mas vai vendo a família todos os dias. Todos os dias ela é acariciada com os miminhos de uns ou de outros.
Agora, quando a minha Dona partiu a perna, mesmo infiltrada por esse monstro a que deram o nome de "Alzheimer", ela tinha uma preocupação. Se a Gisela tinha uma perna partida e estava no Hospital e, se o Ventor viesse para casa, ela teria de ir para casa também para lhe fazer o jantar. Diz-me o Ventor que foi sempre sua preocupação, ter o jantar pronto para quando chegassem do trabalho. Essa continua a ser a sua preocupação. Por isso, quando vê o Ventor lá, ela fica radiante porque tem a esperança que ele a traga para casa para fazer o jantar.
A Júlia no seu novo lar, acompanhada de quem lhe quer bem
Mas, o Ventor não a pode trazer e só eu e ele sabemos quanto lhe custa. Ela está na sua nova casa e fica cheia de esperança quando o Ventor e a Gisela lhe dizem que moram por baixo.
Mas, de facto, para a Júlia e para nós, com miminhos ou sem eles, nada mais será igual. Pela primeira vez não passamos o Natal Juntos, não passamos o Ano Novo juntos e, nunca mais será como dantes. Nem para mim, o vosso amigo Pilantras.
Vivemos um aninho todos juntos e agora, aquela que durante 12 anos foi a avó do Quico e por um ano foi minha, não verá mais este amigo Pilantras. Já me estou a habituar a ficar só. Com ela em casa, eu tinha sempre companhia. Tinha a companhia dela, da senhora que vinha tratar dela, da minha amiga romena, do Ventor e da minha Dona.
Agora nunca sei se um dia ficarei aqui só, esquecido, sem o Ventor e sem a minha Dona por uma razão qualquer que está para além do que nos é razoável.
Amanhã o Ventor vai fazer anos, vai ser o Rei do Dia de Reis e não terá a Júlia para lhe fazer o Cozido à Portuguesa. Com a minha Dona a recuperar da perna partida, tudo mudou radicalmente. Todos perdemos.
Peço ao Senhor da Esfera para que, todos os que podem e tenham essa oportunidade vão sorrindo. Tentem esquecer as tristezas da vida.